A Solidariedade horizontal das mulheres de Rio das Pedras em tempos de COVID-19

23/10/2020 - Por: Márcia Araujo

A pandemia não acabou, e o reflexo dessa conjuntura no emaranhado
de disputas políticas, é a falta de coalizão entre as instâncias de governo,
para responder as demandas populares. Especialmente as ações de proteção social
e econômicas são irrisórias e inadequadas, considerando o profundo descompasso
das ações governamentais que se propuseram a assistir demandas emergenciais.
São questões visíveis a todos que desejam ver. Nesse sentido, em reação a
tantas incertezas e instabilidades, mobilizações também definidas como redes solidárias,
se formaram em torno do agenciamento das mulheres nas favelas cariocas, como no
caso de Rio das Pedras. O que é essencialmente importante, antes de tudo, é defender
que a favela como tal não é um problema a ser resolvido, e que são locais com
problemas, como tantos outros na cidade.

Diante desse quadro cabem as
seguintes perguntas; E se fossem as favelas a disseminar o novo Coronavírus para as demais
regiões da cidade? O quão significativo foi, a primeira morte confirmada no Rio
de Janeiro ter ocorrido com uma mulher, negra e trabalhadora doméstica em umas
das áreas mais valorizadas da cidade? Essa é a dramaticidade da pandemia. A
expansão e aumento dos contágios agudizam as tensões sociais. E a progressão
radical da Covid-19 que alcançou extensão rápida e letal das áreas
privilegiadas da cidade, para as áreas populares se tornou o início de uma
corrida pela vida travada nas favelas cariocas.

De acordo com amostra preliminar do IBGE referente
ao ano de 2019 a partir do cruzamento de dados do Ministério da Saúde, a favela
de Rio das Pedras é a segunda maior do país, o que corrobora com o censo
realizado no ano de 2010 pelo referido instituto, responsável por indicar o
número de 63.482 moradores na região, sinalizando inclusive, uma crescente
populacional. Já os dados mais recentes dos mapeamentos autônomos realizados
por lideranças comunitárias locais, estimam o número de 180 mil habitantes.
Essa densidade demográfica explicita indicativos necessários para a avaliação e
reconhecimento das necessidades locais.

Nesse bojo encontram-se as mulheres de Rio das Pedras. Se em tempos de “normalidade” as mulheres tem ocupado a
centralidade em diversas mobilizações políticas, como no caso da luta contra a
remoção no Rio de Janeiro no contexto dos megaeventos, a pandemia do novo
Coronavírus também tem apontado para o protagonismo das mulheres estruturado
através de práticas cotidianas como estratégia de sobrevivência. Enquanto
faltam diretrizes claras das ações do governo contra a Covid-19, como concluiu
o Tribunal de Contas da União – TCU o mês de junho há uma resistência feminina
nas favelas cariocas, sobretudo em Rio das Pedras que se ancora na articulação
de muitas mulheres em busca da sobrevivência como emergência, bem como, na
urgência de mitigar as consequências da pandemia na vida da população favelada
exposta as condições severas de desigualdade social.

Entre as ações mais
variadas protagonizadas por mulheres em Rio das Pedras encontra-se o Projeto
Semeando o Amor que realiza entrega de cestas básicas na região desde 2002, e a
Comissão de Moradores de Rio das Pedras formada em 2017 no contexto de luta
contra a ameaça de remoção engendrada pela gestão do atual prefeito da cidade
Marcelo Crivella.

As principais estratégias no início da pandemia estiveram
voltadas para campanhas de arrecadação de recurso, alimentos, iniciativas de
comunicação comunitária (faixas, cartazes, carros de som), mapeamento de
pessoas infectadas e alternativas de isolamento, distribuição de kits de
higiene, roupas e cestas básicas, instalação de pontos de água e de
higienização, elaboração de painéis de controle autônomos para o enfrentamento
das subnotificações, entre outros. Parte dessas iniciativas permanece sendo
articuladas no interior de Rio das Pedras. São ações autogestadas e fortalecidas por
saberes orgânicos articulados a realidade cotidiana.

Essas mulheres que
protagonizam luta e resistência por sobrevivência no cortejo devastador da
pandemia por meio das referidas organizações, são moradoras antigas, e o que
também é antigo é a centralidade vivenciada por elas em Rio das Pedras na promoção
de ações vinculadas a um projeto de sociedade justo e igualitário. Todo esse
trabalho demonstra que as ações comunitárias
que organizam a vida cotidiana e as necessidades locais são fundamentais. Portanto,
ocorre nesse movimento de mulheres, a recusa de assistir com
passividade as consequências
provocadas pela pandemia na vida das pessoas com quem dividem a luta pelo
direito de sobreviver. Sem dúvida
estamos diante de um dos fundamentais esteios desta crise, sentido pelas
mulheres moradoras de Rio das Pedras que protagonizam ações carregadas de intencionalidade política, resistência
e solidariedade horizontal.

Márcia Araujo

Assistente Social, Mestre em Serviço Social pela Puc Rio com pesquisas nas áreas de estudos urbanos e de gênero. É moradora da região há cinco anos mas sua relação com o território tem raizes mais profundas, afinal filha de pais nordestinos reconhece que as histórias das famílias de Rio das Pedras se confundem com as […]

284 visualizações

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *